“Rebecca a Pozzo”
“Rebecca a Pozzo”
(Foto1)
Rosa Sampaio Torres *
Este artigo está baseado em artigo mais amplo da autora com o mesmo título em português, porém, com mais detalhes e todas as fontes, já editado em seu blog http://rosasampaiotorres.blogspot.com/
Próximo ao período da Segunda Republica (1527-1530), Florença já francamente revoltada, o mecenas Giovanni di Lorenzo Cavalcanti teria até mesmo utilizado seu “métier” como financiador de arte para auxiliar a atuação política republicana de sua família ampla, anti-medici – e tenta levar adiante negócios e encomendas artísticas para garantir o apoio político do rei inglês Henrique VIII para a sua cidade (1).
Sabemos que Giovanni di Lorenzo, ascendente do ramo brasileiro, teria encomendando pelo menos uma tela, um quadro, Rebecca ao Pozzo, ao pintor Giovanni Batiste di Jacob - chamado Il Rosso (1496-1540) – pintor muito talentoso e estilisticamente precoce que usava temas bíblicos, simbólicos de liberdade – mais tarde exilado na corte francesa (2) O quadro encomendado por Giovanni Cavalcanti a Il Rosso seria mesmo o “pendant” da sua obra maior, “Moisés e as filhas de Jetro”.
Esta mais famosa obra de Il Rosso, “Moisés defende as filhas de Jetro”, teria sido também exportada por Giovanni Baldini para a França visando obter apoio da corte francesa (3).
A propaganda libertária pretendendo atrair realezas para a causa anti-medici fora preconizada nesta ocasião ao banqueiro Filippo Strozzi para a obtenção da simpatia do rei francês Francisco I - ação considerada “utilíssima et necessária alla conservatione di questa liberta felicíssima” (4). Neste sentido, seu filho Ruberto Strozzi teria ofertado duas estátuas muito simbólicas de autoria do célebre Miguelangelo - os belíssimos e expressivos “Prigioni” (Prisioneiros) (Foto 2) - que chegarão mais tarde à corte francesa por volta de 1550 (5)
Referente ao tema de “Rebecca ao Pozzo” acrescentamos - Rebecca seria personalidade bíblica simbólica de solidariedade e colaboração sem que seja necessário solicitar - pois gentilmente ela teria oferecido água do poço até mesmo aos camelos daquele que lhe pedira de beber.
A temática do quadro encomendado por Giovanni di Lorenzo Cavalcanti, como pressentimos, muito sugestiva para tentar obter auxilio externo para a causa florentina.
A nosso ver este quadro forte, ao mesmo tempo delicado e simbólico, seria uma forma muito hábil de demandar auxílio de Henrique VIII - obra que, entretanto, parece não ter chegado ao rei inglês, antes possivelmente arrestado por autoridades medicéias.
Notas
(1) Sobre as atividades profissionais de Giovanni di Lorenzo Cavalcanti na Casa comercial “Bardi e Cavalcanti”, por fim sua a rebeldia anti-medici a partir do Vanedi em 1527, Sicca, Cinzia M. – artigo “Consumption of art between Italy and England in the first half of tht sixteenth century: the London house of the Bardi and Cavalcanti”, “Renaissance Studies”, vol. 16, pg. 163-201, junho de 2002.
Ainda Sicca, Cinzia M. – artigo “Pawns of international finance and politics: Florentine scultors at the court of Henry VIII, Renaissance Studies, vol. 20, no. 1, 2006
(2) Il Rosso- Giovanni Batiste di Iacob (1496-1540) foi pintor florentino, ruivo, também conhecido como “Maitre Roux”. Com obras hoje reavaliadas e muito celebradas em Florença, Volterra e Citta di Castello é citado em numerosa bibliografia; saído de Florença já em 1528, durante a segunda Republica (27-30), esteve exilado a partir de 1531 na corte francesa de Francisco I. Foi um de seus principais colaboradores rei na organização da “Galeria de Francisco I” e nos projetos de seus castelos, criador da “Escola de Fontainebleau”. Teria se suicidado por intrigas nesta corte em 1540 - seu rival Primaticcio o sucedido. Muito bem avaliado por Pardoe, Julia – The Court and Reign of Francis the Firt , King of France; vol 2, 1849, pg. 30, 31, Pdf : “Great skill in the management of his lihgt, grandeur of conception, fertility of imgination and remarkable richness of colouring, are the caracteristics of his style.” Para o crítico Walter Friedander, o Moisés é “o dipinto piu insolite e piu audace dellíntero periodo, e si colloca fuori di qualsiasi sistema normativo. (Manieirisme e Antimanieirisme, Paris,1996, pg. 66).
(3) O famoso “Moisés defende as filhas de Jetro” de Il Rosso, segundo Sicca, Cinzia M. - artigo citado, 2006, pg. 5, comentando o texto de Giorgio Vasari “Le vite de piu Exellenti Pinttori e Scultori e Architettori, Firenze 1550”, teria sido exportado para a França por Giovanni Baldini. As filhas de Jetro, lembramos, é símbolo da uma educação liberadora, sem repressão. Sicca ressalta que a atividade política de Il Rosso até o momento é pouco avaliada.
(4) Comenta a historiadora de artes Cinzia Sicca: “In a letter of 29 january 1529 to Filippo Strozzi, Della Palla described his commission to provide works of art for François I and his family as “utilíssima et necessária alla conservatione di questa liberta felicíssima [...]”, quod in Elam, Art, document 4.” Sicca, Cinzia M – artigo citado, 2006, pg.34, nota 102. Lembramos que Della Palla e Felippo eram membros de família de banqueiros, há três gerações tradicionalmente anti–medici.
Na família dos ricos banqueiros Ridolfi, também o cardeal Nicolo Ridolfi ainda nos anos 30 teria atuado em favor dos “fuoriusciti” e feito uma encomenda do famoso busto de Brutus, símbolo do tiranicídio, a Miguelangelo. Da mesma família de ricos banqueiros, Pierino Ridolfi, bem mais tarde, em 1570, foi acusado por Ferdinando de Médici de haver mandado esculpir medalha em Roma que também homenageava Brutus – nesta ocasião já mesmo símbolo da própria resistência Republicana.
(5) Em contraposição à estátua muito segura e forte do “David” colocada na praça da Senhoria durante o período da Primeira Republica anti-medici, “Os Prisioneiros” - como os denominou Miguelangelo - foram elaborados entre 1513 e 1515, memento da primeira experiência republicana vitoriosa contra os Medici. Os dois soberbos escravos, “O Escravo Rebelde” e “O Escravo Caído”, denominados “Prigioni” encomendados já posteriormente a Miguelangelo para o mausoléu de Julio II, mas foram mais tarde doadas pelo próprio Miguelangelo ao filho de Filippo Strozzi, Roberto Strozzi, em retribuição à sua hospitalidade em períodos de doença do artista, em 1544 e 1546. Quando Roberto Strozzi também necessitou se exilar em Lion em abril de 1550 pelas atividades anti-medici de sua família, estas simbólicas estátuas o teriam precedido e foram doadas por ele ao rei francês. Hoje no Museu do Louvre.
(6) Cavalcanti, Silvio Umberto em “Si Chiamavono Cavalcanti”, mídia eletrônica pdf, ano incerto na década de vinte (152..) repete texto do historiador de artes da época, Giorgio Vasari, em sua obra Le vite de piu Exellenti Pinttori e Scultori e Architettori, Firenze 1550, por cópia eletrônica da Casa Cavalcanti. Traduzindo livremente: “Da mesma forma um outro [quadro] fez para Giovanni Cavalcanti, que foi para a Inglaterra, quando Iacob aproveitou “a verdade” das mulheres na fonte, considerado divino, trabalho executado em nu e feminino, com muita graciosidade, que ele encanta continuamente por panejamentos leves, penteados de cabeça com tranças, e trajes para as costas".
Esta descrição de Vasari, segundo Climent-Denteil, Pascale – Il Rosso Fiorentino, pittore della Maniera, Presses de la Mediterranée, 2007, pg.40, coincide com o quadro de Il Rosso, “Rebecca al Pozzo”, com reprodução na pinacoteca de Pisa, segundo a informação de Franklin, David - Rosso in Italy, The Italian Career of Rosso Florentino, Yale University Press, New Haven e London, 1994, pg. 113-117. Informação confirmada em Sicca – 2002, pg. 165, tendo como fonte R. P. Ciardi and A. Natali (eds) Pontorno e Rosso. La “maniera moderna” in Toscana. Atti del convegno di Empoli e Volterra ,Venice, 1996, pg. 147-56.
Rosa Sampaio Torres é historiadora e poeta, publicando atualmente artigos nesta Revista ConTexto e em outras no Brasil e Portugal. Autora do livro em 2 volumes “O Tenetismo -1922-1927”, editora Minerva, 1992.
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